domingo, 12 de agosto de 2012

Registro de Calibragem.

Fluxo e outros tantos fluxos
regurgitos e refluxos
trânsito transversal
diferencia-se o diferencial
enquanto virtualiza-se o virtual
e desatualiza-se o atual
desmaterializa-se o irreal
e realiza-se o intangível
As flores atrás da neblina eram bromélias, e lá não brilhava nenhum sol.

Uma missão relativamente simples, atravessar o grande deserto que corta o nordeste rumo a tenda do sábio mago hacker, sentar-se entre amigos a tanto não vistos e não ter tanta vontade de celebrar. seja pela poeira lá fora que envolve toda a àrea B-34, seja pela triste vil vontade de mandar tudo ao go fuck you, fuck tu e a coisa toda, mas não. Não hoje e nem agora, ao meu lado a guria segura firme o canhão desintegrador, uma relíquia do século passado, capaz de abrir alguns buracos em tanques de guerra. E ainda assim tornou-se obsoleto, não há guerra mais, e também não há paz.
A Infinita Paz decretada pelos cabeças de castores e assegurada pela União Heráldica é um eterno momento livre de inquietações obtida através da supressão do indivíduo, tudo está bem porque está errado. " Pode ficar tranquilo que vai dar tudo certo", disse-me o Viajante Atravessador, isso foi há não sei se 20 ou 30 anos - depois de um tempo a gente nem lembra mais - e nenhuma diferença faz se foi hoje cedo ou se aconteceu amanhã ao cair da tarde, já há 27 anos atrás... vago pelas fronteiras esquecidas onde nos foi permitido morrer de tédio e ociosidade. Mas nem a isso dou-me o desfrute.
Em 03 dias calibrais pretendemos desassumir nosso compromisso com a Infinita Paz, tudo o que nos interressa agora é o caos monótono do Passado  e todas as suas infinitas possibilidades de discrepâncias, era tão bom ser plural, e em decorrência ser singular... Ah que saudade do Passado ! Até isso nos foi privado ao nos fazerem entender as váriáveis da Trigésima Quarta Dimensão ... de que nos vale todo este saber se não podemos mais ceder aos nossos instintos e abraçar-mo -nos ao presente de Serpieri ?
Como assola-me a lembrança esta ausência... lembro-me dos versos poéticos da Ribeirinha :
"... desejo
seu ventre
seus seios
roçar os seus mamilos
pele de seda
pérola
ardente ..."
A guria aperta firme o gatilho do canhão desintegrador, o velho muro da utópica Megalópole de repente deixa de ser uma fronteira que impede o trânsito para tornar-se um espetáculo de poeira, destroços deseintegrados... penso como deve ser para a guria ver tudo isso e perceber apenas como uma relação de variáveis da trigésima quarta dimensão, onde a cada instante não há um predecessor e pouco importa o que virá em seguida, pois vive eternemente um agora infindável... ao menos nisso a Infinita paz tem seu mérito... Que lindo ! As fagulhas misturam-se a poeira do concreto, e no epicentro a energia nulificadora da matéria adquire sua cor roséa oscilando para o verde claro, enquanto expande-se criando uma área de nitidez e transparencia a poeira vai sendo atraído para o vórtice e então, nada... o sólido virou energia que habita a dimensão não tangível proporcionando um belo espetáculo. 
De repente percebo-me recitando Marinetti :
"Decorridos vinte e sete anos, nós, futuristas, erguemo-nos
contra a idéia de que a guerra seria antiestética. . . Daí
porque... afirmamos isto: a guerra é bela porque, graças às
máscaras contra gás, ao microfone terrifico, aos lança-chamas
e aos pequenos carros de assalto, ela funda a
soberania do homem sobre a máquina subjugada.
A guerra é bela porque ela concretiza, pela primeira vez, o sonho de um
 homem de corpo metálico. A guerra é bela porque ela
enriquece um prado com flores de orquídeas
 flamejantes, que são as metralhadoras. A guerra é bela
porque ela congrega, afim de fazer disso
uma sinfonia, as fuzilarias, os canhoneios, o
 cessar de fogo, os perfumes e os odores de decomposição. .. "
A guria acerta-me uma cotovelada e eu atônito não tenho dois instintos conflitantes : à minha frente um precipício e um rio fétido para onde inevitavelmente estamos caindo, e ainda assim o que intriga-me é sua reação á possibilidade de fatalidade, que é uma possibilidade não concretizada e portanto porque ela intriga-se com isso? terá a Infinita paz em seu interior sido corrompida? e porque ela segue nessa missão comigo? porque o mago hacker a enviou comigo? de onde veio ela?
A pleno pulmões conclamo:
- Veja guria ! isso é tri legal! - e então sigo delamando :
"  ... A guerra é bela porque ela cria novas arquiteturas, como
aquelas dos grandes carros, das esquadrilhas aéreas de forma
geométrica, das espirais de fumo subindo das cidades
incendiadas e ainda muitas outras...
Escritores e artistas futuristas... lembrai-vos desses
princípios fundamentais de uma estética de guerra, a fim de
que seja esclarecido... o vosso combate por uma nova poesia
e uma nova escultura! ..."

Olho pelo espelho retrovisor, e percebo algo nos olhos da garota enquanto declamo, há ansiedade! há medo! ela vive plenamente !
- VAMOS AFUNDAR NESTE RIO DE MERDA E VOCÊ TUDO O QUE FAZ É RECITAR O MARINETTI?

Espanto - me e fico feliz ao ver em seu rosto brotar a admiração ao sentir o espirro de água suja nos vidros seguido do impacto das rodas sobre algo sólido. a velha ponte Rio Niterói que submergiu após o abalo da Incursão Heráldica, tornou-se um acesso secreto, um segredo guardado pelos calibradores, ao longo dos anos, um espetáculo belo se houvesse algúem para ver um veículo deslocando-se sobre o Mar Fétido que já foi tão belo...

As rodas do velho Fusca rasga o tão castigado Solo Hermético, onde nada floresce, marcas do passado ainda estão nas paredes, trazem à minha lembrança memórias de uma resistência virtualizada em gritos que ecoaram até perderem-se na infinitude do Findo Mundo.
É tão bom saber que a guria pode compreender ... Ela, uma nascida dos tempos da Infinita Paz e não conhecedora da guerra... o estado da guerra... embora o recente conflito interior, sinto que  ela não entendeu, mas ainda assim ela saberá que houve uma mudança nas coisas sem mexer no que é privado, pois hoje ao Ocaso da Meia-Noite, este velho Calibrador abrirá os braços para receber no rosto as chicotadas do Vento Morto, gritarei como todos os outros antes de mim, mas levantarei este capacete e aceitarei a Dicotomia Final em nome da Guerra das Ambiguidades e das Contravenções Gestuais !

                                                                          Entrada monofônica 13b, do diário de calibragem 26b.